29 de fev. de 2012

A bolha? Ninguém a viu - Jornal de Negócios - Portugal

Meu comentário: Excelente artigo. Engraçado que até 1 mês atrás você sequer ouvia menção à palavra bolha nos jornais de Portugal. É sempre a mesma coisa, negam até não poder mais, mas uma hora a sujeira debaixo do tapete será vista por todos, aí a imprensa vendida às imobiliárias não poderá fazer mais nada.

A bolha? Ninguém a viu
28 Fevereiro 2012 | 23:30
João Cândido da Silva - joaosilva@negocios.pt
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=541305


O mercado da construção e imobiliário português faz lembrar a velha história das bruxas. Pode não se acreditar nelas, mas lá que existem, existem. Na discussão sobre a existência de uma "bolha" no sector, ninguém admite o fenómeno. Mas o que não falta são manifestações de que ele anda por aí. E bem vivo.
O mercado da construção e imobiliário português faz lembrar a velha história das bruxas. Pode não se acreditar nelas, mas lá que existem, existem. Na discussão sobre a existência de uma "bolha" no sector, ninguém admite o fenómeno. Mas o que não falta são manifestações de que ele anda por aí. E bem vivo.

O pudor com que os peritos falam no tema chega a ser caricato, fundado numa espécie de prudência supersticiosa. Tal como falar numa recessão é tido como meio caminho andado para provocar uma, parece que, caso se fale na "bolha" imobiliária portuguesa, se correrá o risco de a fazer rebentar com um pouco mais de estrondo do que aquele com que se tem esvaziado, com alguma discrição, desde 2008. Há, ainda, a hipótese clássica. Um problema de que não se fala, não é um problema.

Tudo seria fácil e simples se a observação da realidade e a crua frieza dos números não fossem mais fortes do que as ilusões que se tentam criar em seu redor. Há centenas de milhares de casas para vender em Portugal, fruto de anos a fio de furiosa aposta na construção nova e que alimentou os bolsos dos empreiteiros e os cofres das autarquias. O fácil acesso ao crédito a baixo preço alimentou o aparecimento de mais oferta, atraída pela valorização dos imóveis, e os bancos colocaram o pé no acelerador. O processo de crescimento da "bolha" colocou-se em marcha, mas ninguém o quis ver enquanto foi inconveniente para o negócio.

A espiral teria de ser interrompida e seria apenas uma questão de tempo até se desfazer o mito, vulgar em Portugal, de que investir no imobiliário não tem risco. Ou o outro mito que garantia que uma casa se valoriza sempre, verdade assente em alicerces de geleia como muitas famílias já terão descoberto, mas que também não será estranha às empresas. Entre as imobiliárias, prevê-se que a falência bata à porta de mais de oitocentas nos próximos tempos. Entre as construtoras, a quebra de actividade foi tão radical que está abaixo daquela que o sector registou em meados dos anos 90.

Na periferia das grandes cidades, onde a euforia do cimento deixou as marcas mais intensas, o valor de mercado das casas já registou quedas que chegam a 40%. Na área do financiamento à habitação e à construção estão dois dos focos de tensão mais graves sobre a saúde financeira dos bancos. Ao crédito mal parado, as instituições financeiras vão somando uma carteira de casas para leiloar, num mercado em que escasseiam os compradores e o dinheiro para os financiar.

Há boas oportunidades de investimento, actualmente? Há. Seria possível comprar, hoje, uma casa a metade do preço que o mercado exigia há cinco anos? Depende das zonas, mas é bastante provável. Se as construtoras estão penduradas, as famílias estão mais apertadas para conseguirem honrar compromissos financeiros, os bancos apanham dos dois lados, os preços caem de forma substancial, parece claro que Portugal tem uma "bolha imobiliária", só que parece ter vergonha em admiti-lo.

A euforia e o lento "crash" que se lhe seguiu teriam acontecido se o País tivesse legislação do arrendamento que não tratasse os senhorios como instituições de beneficência? Não se sabe. Mas um mercado com rendas formadas através do encontro entre a oferta e a procura teria evitado uma parte daquelas dores e a deterioração de zonas antigas das cidades. Se a nova legislação conseguir corrigir este flagelo, a aposta estará ganha.