9 de set. de 2010

Poupança interna cai: como financiaremos os investimentos? Autor: Ricardo Gallo

Poupança interna cai: como financiaremos os investimentos?
Ricardo Gallo

http://colunistas.ig.com.br/ricardogallo/2010/09/09/poupanca-interna-cai-como-financiaremos-os-investimentos/

Voces já devem ter lido nesta coluna vários comentários sobre o problema do financiamento ao investimento no Brasil.

Uma das questões macro econômicas importantes diz respieto a dinâmica da popuança interna e do investimento.

Vamos imaginar que as famílias, empresas e governos tenham uma renda anual combinada no valor de r$100. A parcela desta renda que é poupada pelas famílias, governos e empresas ( através de lucros retidos) é de aprox. 15%, ou seja, 85% da renda é consumida, aproximadamente.

Esta renda que é poupada todo ano é depositada em fundos, bancos ou aplicada em ações , títulos públicos ou títulos privados. Este dinheiro é então usado pelas empresas, governos e famílias para financiar seus investimentos de longo prazo em estruturas, máquinas, tecnologia, estoques, infraestrutura, residências, construções, etc. Porém a demanda por investimentos é da ordem de 17% , como vemos no gráfico abaixo, que mostra na linha azul claro a evolução da poupança como % do pib vs investimento como % do pib em azul escuro:



Podemos notar que até 2008, a poupança interna era superior a demanda por investimentos ( seta verde). A partir de 2008 a taxa de poupança cai drasticamente ( seta amarela ), colocando a taxa de poupança bem abaixo do volume de investimento ( seta vermelha). A aceleração no consumo das famílias e do governo fez com que a grana que sobrasse para ser poupada caísse rapidamente. Como a demanda por investimentos caiu menos, ela ficou maior que a oferta de poupança interna. Nossas empresas então precisam recorrer a captação de poupança externa, hoje abundante, através de emissões de ações, bonds , empréstimos internacionais ou de investimento direto de multinacionais. Uma outra forma igualmente inteligente de se financiar isto é através da importação de bens de capital financiada diretamente no exterior. Imagine que 2 pontos percentuais destes investimentos totais sejam feitos em máquinas e tecnologia importada. Aí a poupança interna e o investimento em ativos internos se iguala.

Não há nada de errado com isto, desde que tal desequilíbrio entre poupança e investimento seja temporário. Quando usamos poupança externa para financiar investimentos estamos:

a. aumentando vunerabilidade externa do páis a choques externos, pois ficamos dependentes da oferta de poupança lá fora, que varia de em função de choques como o que tivemos em 2008. As reservas cambiais mantidas pelo BC através das compras de US$ no mercado nos ajudam a gerenciar tais momentos crise externa, porém ao custo de manutenção destas reservas é elevadíssimo, e o volume necessário de tais reservas precisa acompanhar o crescimento do produto interno e da exposição internacional líquida. Quanto mais dívida externa tivermos, mais reservas precisaremos. Logo, as reservas cambiais funcionam como depósitos compulsórios feitos por todos nós brasileiros junto ao bc, só que feitos em moeda estrangeira, para assim mitigarmos os efeitos de eventuais choques que interrompam o fluxo de financiamento externo. O custo destes depósitos é grande, definido pelo diferencial dentre juros internos e externos, estando hoje na casa dos 10% aa sobre o total de reservas, ou seja mais de R$ 40 bi por ano, 1.3% do pib…

b. aumentando a exposição do sistema produtivo em dívidas e obrigações em moeda estrangeira , que eleva a volatilidade da taxa de câmbio e portanto do risco inflacionário associado a ela

c. expostos a variações nos juros internacionais: o custo de captação de nossas empresas nos mercados internacionais varia em funçao da taxa de juros que é cobrada la fora, sobre a qual nosso BC aqui não tem nenhuma influência em sua fixação. Imagine uma situação de queda de atividade por fatores cíclicos locais, num momento de elevação dos juros internacionais? OU vejam o que acontece hoje, quando a política monetária nos mercados internacionais é extremamente frouxa para combater a recessão por lá, enquanto a economia aqui cresce como nunca antes na história deste país: nosso câmbio se valoriza rapidamente, pois atraímos mais poupança externa do que precisamos, o que pode vir a alimentar bolhas aqui nos mercados de crédito e de ativos. E baixar os juros só aumentaria ainda mais o risco de criarmos bolhas aqui dentro…

Logo, a solução mais fácial não é a ótima a longo prazo. Precisamos fazer com que a curva de oferta de poupança interna e de demanda de investimento se equilibrem, a um nível de taxas de juros que seja compatível com crescimento pleno aqui.

Há várias formas de fazer poupança subir:

a. a mais eficiente é uma política tributária que tribute mais o consumo e menos a renda. As pessoas poupam de sua renda , isto é, do excesso de sua renda sobre seus gastos. Se você tributar renda, sobra menos para poupar. Se você tributar mais o consumo, o custo dos produtos de consumo sobe com relação a renda, o que reduz sua demanda e portanto o consumo, aumentando o que sobra para ser poupado. Infelizmente esta agenda nem passa na cabeça dos populistas de plantão….

b. a tributação de investimentos das pessoas físscas deveria estimular produtos de poupança previdenciária privada, como pgbl e vgbl. Estes produtos permitem que você postergue recolhimento de impostos ou até mesmo reduza sua carga tributária, se você deixar seus recursos investidos por longo prazo. Com isto, o custo de oportunidade de se fazer uma compra ou consumo hoje aumenta, sendo melhor deixar compra para uma data futura, adiando consumo e aumentando a poupança atual.

c. tornar instrumentos de investimento de longo prazo mais atraentes, aumentando sua liquidez nos mercados, reduzindo cutso de intermediação entre poupadores e investidores finais, aumentando a transparência na formação dos preços destes, diminuindo assimeteria de informações entre emissores e aplicadores, protegendo o pequeno investidor, enfim, aumentando o leque de alternativas de investimento para investidores. Hoje há muito pouco produto alternativo de fato no país, estando a grande maioria dos poupadores limitados a depósitos em bancos, bolsa e títulos públicos.

d. estimular a poupança do setor público, através de políticas fiscais mais equilibradas, trazendo o setor público para uma situação de superávit ou de balanço, pelo menos. Os déficits nominais do Tesouro nacional e a expansão do crédito ao consumo através dos bancos públicos são maneiras de se induzir a redução da poupança, ao facilitar o consumo das famílias num momento onde seria recomendável um aumento da poupança das mesmas, para se reduzir o desequilíbrio externo crescente. Poupança é tudo aquilo que deixamos de consumir hoje e investimos para poder consumir mais no futuro. Logo, todos temos que fazer escolhas: consumir mais agora ou poupar para ter um futuro melhor? Parece que desde 2008 tomamos a decisão de antecipar nosso consumo para hoje. Esta política fez algum sentido para evitarmos uma recessão em 2009, porém neste momento, com consumo crescendo a 8% aa, tais políticas devem ser interrompidas e revertidas no sentido de se aumentar a poupança e reduzir consumo exacerbado. A contabilidade nacional feita pelo próprio governo mostra que estamos consumindo além do que podemos... sobra pouca grana para investirmos em nosso crescimento…

Uma outra forma de reduzir este gap entre poupança e investimento é através da elevação da taxa de juros, que reduz a demanda por investimentos e equilibra a oferta entre a poupança e investimento. Esta solução não é ótima, mas pode ser a única saída se continuarmos a crescer consumo, reduzindo poupança interna às taxas atuais, sem criar a poupança necessária para financiar os investimentos que sustentariam o crescimento de nosso consumo no futuro. Em algum momento, o tamanho do nosso deficit externo, reflexo da insuficiência de poupança interna, pode se tornar perigoso e criar uma instabilidade cambial que afetaria as expecativas de inflação, forçando BC a subir juros e assim reduzir o investimento, para trazer o setor externo de volta a um equilíbrio. Infelizmente nossa história está repleta de situações de explosões nos déficits externos , como nos anos 90 e 80, que nos levaram a crises profundas. Temo que podemos estar seguindo de novo o mesmo caminho.

Esta é uma questão estratégica para o país que deve ser endereçada já.

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